Um dia, há muitos anos, acordei com dores lancinantes por
todo o corpo, na pele, nas articulações e nos ossos. Apenas os cabelos não
doíam. Minha vida ficou difícil, muito difícil. Médicos, exames, médicos, exames,
médicos, exames, e as dores lá, em cada centímetro do corpo, exceto nos
cabelos.
De alguma forma, eu entendo o Rabi Akiva, que foi escalpelado
vivo. De alguma forma, eu entendo os zelotes, que se refugiaram no alto de
Masada e decidiram matar-se para preservar a dignidade e a liberdade. Quando a
dor é muito intensa, e o sofrimento não tem limites, a morte não é uma
maldição, mas uma benção.
Eu estava nesse limite, nesse frágil limite, quando encontrei
a Marta. Talvez a Marta sozinha não tivesse sido capaz de me dar a coragem
necessária para continuar vivendo com as minhas dores (sim, as dores já eram
minhas, porque eu as conhecia completamente, ia dormir com elas, e acordava com
elas), e aí Elohim enviou a Sofia, para a Marta e para mim. Quando eu vi os
olhos da Sofia pela primeira vez, no Hospital
Divina Providência (que nome!), jurei a mim mesmo que eu resistiria, que eu
suportaria aquelas dores, e que eu criaria a minha segunda filha.
Durante anos, acordei chorando. De dor. E nesses anos a Marta
me confortou, me acolheu e me suportou. Eu não era cabalista e reclamava muito
das minhas dores. Depois de duas cirurgias (a medicina tentava, também, aliviar
as minhas dores), tive um colapso hipovolêmico e uma parada cardíaca, já no
Hospital São Lucas. Digo já porque eu
estava morrendo em casa, na Avenida Independência, mas fui levado pela Marta ao
hospital e lá fui salvo, com a ajuda da minha filha Maíra. Enquanto a Marta
tratava da burocracia da re-entrada no hospital (eu tinha feito uma cirurgia
uma semana antes e tinha dado alta), a Maíra me levava de cadeira-de-rodas até
o Centro Cirúrgico (tive a parada cardíaca dentro do elevador)... A ação
combinada das duas, Marta e Maíra, salvou a minha vida.
Na morte, que eu conheci, conheci também a Verdade (que a
vida não termina com a morte do corpo físico) e aceitei, lá, o encargo de
retornar ao corpo e de ensinar essa Verdade milenar, que foi esquecida pela
civilização moderna. Escrevi dois livros de ficção sobre essa minha EQM
(Experiência de quase-morte, como a ciência a chama): A revolta das coisas, um livro infantil; e Dia de matar porco, um romance. E, agora, estou escrevendo 32
livros de kabbalah (o número 32 corresponde aos 32 Caminhos de Sabedoria, os 32 níveis de consciência que o ser
humano precisa alcançar para fazer a Dvekut
com o seu Criador.
Hoje de manhã, subimos à Fortaleza de Masada. A história e o
local são impressionantes. Para não repetir o óbvio, não vou tratar desse
assunto. Uma busca no Google e Wikipedia lhes trará mais conhecimento sobre
essa história do que eu posso elaborar aqui. Quero retornar à estranha
experiência que estou vivendo aqui, ou revivendo.
Desde que chegamos ao Mar Morto, as minhas dores voltaram.
Todas. E eu as conheço uma a uma. Eu não estava com saudades delas, mas parece
que elas estavam com saudade de mim. Assim que meus pés tocaram o solo
desértico dessa terra, as dores voltaram. E, mais uma vez, a Marta está
grávida. Desta vez, da Hanna. Estou prometendo a mim mesmo, mais uma vez, que
vou criar a minha nova filha. Sou diferente, agora. Sou outro. Agora, eu sei o
que essas dores significam, e eu as aceito com todos os meus atos, como todas
as minhas emoções e com todos os meus pensamentos. Eu aceito essas dores com
todos os 125 níveis do meu Naranchay.
E prometo que não vou reclamar, como fiz pela primeira vez.
Damidbar. No deserto. Voltei para o deserto.
Na sexta-feira, será Shavuot, a
Festa que comemora a Outorga da Torah.
Estarei lá mais uma vez, mas desta vez eu trouxe comigo muitos outros, membros
e não-membros do Grupo Kadosh.
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