O temor a Deus é seu tesouro
Um tesouro é um vaso no qual se coloca
o que se possui. O grão, por exemplo, se coloca no celeiro, e os objetos
preciosos se põem em algum lugar mais protegido ainda. Assim, cada coisa que se
recebe é denominada segundo a sua correlação com a Luz, e o vaso deve ser capaz
de recebê-la. Isto obedece ao que temos aprendido: não existe Luz sem um vaso.
E isto ocorre inclusive no mundo físico.
No entanto, o que representa na
espiritualidade o vaso dentro do qual podemos receber a recompensa espiritual
que o Criador deseja doar-nos, e que haverá de estar em correspondência com a
Luz? Isto ocorre do mesmo modo que na corporalidade, quando o vaso necessita
estar em correlação com o objeto que se encontra dentro dele.
Por exemplo, não podemos falar de um
tesouro quando nos referimos ao vinho que tenha sido armazenado em sacos novos
para protegê-lo e evitar que avinagre; nem tampouco quanto à farinha que tenha
sido guardada em barris. Em vez disto, existe alguma regra segundo a qual o
recipiente indicado para o vinho são barris e garrafas, enquanto que para a
farinha são os sacos no lugar de barris etc.
Deste modo, surge a seguinte pergunta:
Qual é o recipiente espiritual, os Kelim (vasos) a partir dos quais podemos
acumular um grande tesouro com a Abundância Superior?
Existe uma regra que indica que o
desejo da vaca de alimentar o terneiro é maior do que o desejo deste de comer.
Isto corresponde à máxima que diz que “Seu desejo é o de fazer o bem às Suas
criaturas”, e devemos crer que a razão do Tzimtzum (restrição)
é para nosso próprio bem. E o motivo deve ser que não temos os vasos
apropriados para alojar a Shefa (abundância), do mesmo modo
que os vasos corporais devem estar aptos para aquilo que deve ser alojado
neles. Portanto, devemos afirmar que se conseguimos os vasos, teremos algo com
que receber a Shefa que há de adicionar-se.
A resposta que surge a isto é que na
tesouraria do Criador existe somente o tesouro do temor a Deus (Berachot, 33).
No entanto, devemos elucidar o que é o
temor. Este é um vaso, e o tesouro é feito deste vaso, e todas as coisas
importantes se colocam ali. Foi dito que o temor é tal como está escrito sobre
Moisés: Nossos sábios disseram: “A recompensa por ‘E Moisés escondeu sua face,
pois temia O olhar’ foi ‘a semelhança do Senhor que lhe observa’ (Berachot p. 7).
O temor se refere ao temor que alguém
sente por aqueles prazeres imensos que ali existem e aos quais não se poderia
receber com a intenção de doar. A recompensa por isto, ou seja, por haver
sentido este temor, é que deste modo se constrói para si mesmo um vaso dentro
do qual se possa receber a Abundância Superior. Este há de ser o trabalho do
homem, e tudo o mais há de atribuir-se ao Criador.
No entanto, não é assim com respeito ao
temor, porque o significado de temor não é receber. E aquilo que o Criador doa,
Ele doa para que seja recebido, e este é o significado de “tudo está nas mãos
de Deus, menos o temor a Deus”.
Este é o vaso que necessitamos. Do
contrário, seguiremos sendo uns tolos, tal como disseram nossos sábios: “Quem é
considerado um tolo? Aquele que perde o que lhe é dado”. Quer dizer que a Sitra
Achra nos usurpará a abundância se não pudermos dirigir nossa intenção
até a doação, pois assim ela vai para os vasos de recepção, ou seja, para a Sitra
Achra e a impureza.
Este é o significado de “E haverás de
observar o banquete de Matza (pão sem fermento)”. Observar
significa temor. E ainda que a natureza da Luz seja ter vontade própria, o que
significa que a Luz parte antes que alguém deseje recebê-la dentro dos vasos de
recepção, a pessoa deve atuar por conta própria em tudo que esteja ao seu
alcance. A este respeito disseram nossos sábios: “Vós os observareis a vós
mesmos somente um pouco aí embaixo, e eu os observarei muito aqui de Cima”.
A razão pela qual atribuímos temor às
pessoas, segundo disseram nossos sábios, é que “tudo está nas mãos de Deus,
exceto o temor a Deus”. Isto se deve a que Ele pode ofertar tudo, menos o
temor. E por isto, o que o Criador dá é amor ao invés de temor.
O temor se adquire através do poder da
Torá e das Mitzvot (preceitos). Isto quer dizer que quando se
observa a Torá e as Mitzvot com o propósito de ser
recompensado com o fato de poder satisfazer o Criador, essa intenção, que
subjaz nos atos de suas Mitzvot em detalhe, permanece
simplesmente no grau de Domem de Kedushá (Mineral Sagrado).
Disto resulta que a pessoa sempre deve
recordar a razão que a obriga a observar a Torá e as Mitzvot. Sobre
isto se referiram os sábios ao dizer “que vossa Divindade seja para Meu nome”.
Isto implica que “Eu serei vossa causa, pois todo vosso trabalho consiste em
querer deleitar a Mim, ou seja, que todas vossas ações devem apontar para a
doação.”
Nossos sábios disseram (Berachot 20): “Todo o implícito em
observar também está implícito em recordar”. Isto significa que todos aqueles
que observam a Tora e as Mitzvot, o fazem com a intenção de
alcançar a noção de “lembrar-se”, no sentido de “Quando eu me lembro Dele, Ele
me impede de dormir”. Disto resulta que o observar tem como propósito principal
ser recompensado com a ação de acordar-se (lembrar-se).
Portanto, o desejo da pessoa consiste
em recordar que o Criador é a causa pela qual se observa a Torá e as Mitzvot.
Isto é assim porque resulta que a razão e a causa de observar a Torá e as Mitzvot é
o Criador Mesmo, já que sem isso não se pode aderir a Ele, porque “Ele e Eu não
podemos habitar na mesma morada” devido à disparidade de forma.
A razão de que a recompensa e o castigo
não sejam revelados, que somente devamos crer na recompensa e no castigo, se
deve a que o Criador deseja que todos trabalhem para Ele e não para si mesmos.
Isto se discerne como disparidade de forma com o Criador. Se a recompensa e o
castigo estiverem revelados, a pessoa trabalharia por amor a si mesmo; ou seja,
para que o Criador Lhe ame, ou por ódio a si mesmo, o que significa por temor a
que o Criador lhe odeie. Isto implica que a razão para o trabalho é somente a
pessoa, não o Criador, e o Criador deseja ser Ele o motivo determinante.
Assim, vemos que o temor se manifesta
precisamente quando a pessoa reconhece o seu estado inferior, e diz que está
servindo ao Rei; ou seja, que seu desejo de outorgar-Lhe é um grande
privilégio, e isso é mais valioso que o que alguém possa expressar. Isto
obedece à regra segundo a qual quando a pessoa pode outorgar algo a uma
personalidade importante é como se ela mesma estivesse recebendo.
Na medida em que a pessoa sente seu
estado inferior, nesta mesma proporção pode começar a apreciar a grandeza do
Criador, e se despertará o desejo de servir a Ele. Mas se a pessoa é orgulhosa,
o Criador diz: “ele e Eu não podemos habitar na mesma morada”.
Este é o sentido de “Um tolo, um
malvado e um grosseiro vão juntos”. A razão disto é que ao não sentir o temor,
o que significa que a pessoa não pode rebaixar-se diante do Criador, e
reconhecer que para ela é uma grande honra poder servir a Ele sem nenhuma
recompensa, não se pode receber sabedoria alguma do Criador, e a pessoa se
mantém como um tolo. Então, aquele que é tolo, é malvado; tal como indicam
nossos sábios: “Não se peca, a menos que se tenha sido alcançado pela
insensatez”.
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