quinta-feira, 9 de abril de 2020

Baal Ha Sulam (4)




Matan Torá

[A Outorga da Torá]



“Ama teu amigo como a ti mesmo” (Levítico 19:18)

Rabi Akiva diz: “Este é um grande Klal [coletivo/regra] na Torá” (Bereshit Rabá, Capítulo 24).




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Esta afirmação de nossos sábios demanda explicação. A palavra Klal [coletivo/regra] indica uma soma de detalhes que, quando juntos, formam aquele coletivo. Assim, quando ele diz a respeito da Mitzva [mandamento] “ama teu amigo como a ti mesmo” que isto é um grande Klal na Torá, devemos entender que o resto das 612 Mitzvot [mandamentos] na Torá, com todas as suas interpretações, são não mais nem menos que a soma dos detalhes inseridos e contidos naquela única Mitzva, “ama teu amigo como a ti mesmo.”



Isto é bastante desconcertante, porque você pode dizer isso a respeito das Mitzvot entre homem e homem, mas como pode aquela única Mitzva conter todas as Mitzvot entre homem e Deus, as quais são a essência e a vasta maioria das leis?




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 Se ainda pudermos nos esforçar para encontrar alguma forma de reconciliar as palavras deles, surge diante de nós uma segunda declaração, ainda mais conspícua, sobre um convertido que veio até Hilel (Shabat 31ª) e disse a ele: “Ensina-me a Torá completa enquanto fico de pé em uma perna só.” E ele respondeu: “Qualquer coisa que você odeie, não faça ao teu amigo” (a tradução de “ama teu amigo como a ti mesmo”), “e o resto é comentário. Vá estudar.”



Aqui está diante de nós uma lei clara, que nas 612 Mitzvot e em todos os escritos na Torá não há nenhuma que seja preferida a esta Mitzva: “ama a teu amigo como a ti mesmo.” Isto porque elas apenas buscam interpretar e permitir que nós observemos a Mitzva de amar aos outros de maneira apropriada, já que ele diz especificamente – “o resto é comentário. Vá estudar.” Isto significa que o resto da Torá consiste de interpretações daquela única Mitzva, que a Mitzva de amar seu amigo como a si mesmo não poderia ser completada se não fosse por elas.




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Antes de mergulharmos no coração do assunto, nós devemos observar aquela Mitzva, já que nos foi ordenado: “Ama teu amigo como a ti mesmo.” A palavra “a ti mesmo” nos diz “ama teu amigo na mesma medida em que tu amas a ti mesmo, nem um pouco menos.” Em outras palavras, nós devemos constante e vigilantemente satisfazer as necessidades de cada pessoa, ao menos na nação Israelense, não menos do que você está sempre vigilante para satisfazer suas próprias necessidades.



Isto é completamente impossível, pois não muitos são os que podem satisfazer as suas próprias necessidades durante seu trabalho diário, portanto como você pode dizer a eles para trabalharem para satisfazer os desejos de toda a Nação? E não poderíamos pensar que a Torá exagera, pois ela nos adverte a não acrescentar ou subtrair, indicando que estas palavras e leis foram dadas com absoluta precisão.




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E se isto ainda não é suficiente para você, eu lhe direi que a simples explicação daquela Mitzva de amar seu companheiro é ainda mais dura, pois nós devemos colocar as necessidades de nossos amigos acima das nossas. Está escrito no Tosfot de Jerusalém [Talmud] (Kidushin 20ª) sobre o verso “Porque ele está feliz com você,” dito sobre um escravo hebreu: “Quando às vezes ele não tem senão um travesseiro, se ele se deita nele e não o dá ao seu escravo, ele não observa “Porque ele está feliz com você,” pois ele está deitado em um travesseiro e o escravo sobre o chão. Se ele não se deita nele e não o dá ao escravo tampouco, isto é regra Sodomita. Acontece que, contra a sua vontade, ele deve dá-lo ao seu escravo enquanto o próprio mestre deita-se no chão.”



Nós ainda encontramos a mesma regra no verso sobre a medida de amar aos outros, pois aqui, também, o texto compara a satisfação das necessidades do amigo à satisfação das próprias necessidades, como no exemplo “Porque ele está feliz com você” com relação ao escravo hebreu. Portanto, aqui também, se ele tem só uma cadeira e seu amigo nenhuma, a lei é que se ele se senta nela e não a doa ao seu amigo, ele quebra a Mitzva “Ama teu amigo como a ti mesmo,” já que ele não está satisfazendo as necessidades de seu amigo como ele satisfaz a sua.



Se ele não se senta nela e ainda assim não a doa ao seu amigo, isto é tão maligno quanto a regra Sodomita. Portanto, ele deve deixar seu amigo sentar-se nela enquanto ele mesmo se sentará no chão ou ficará em pé. Claramente, esta é a lei com respeito a todas as necessidades que uma pessoa tem, e seu amigo também. Agora vá e veja se esta Mitzva é factível de alguma forma.




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Nós devemos primeiramente entender por que a Torá foi dada especificamente à nação de Israel e não a todas as pessoas do mundo igualmente. Será que existe, Deus proíba, nacionalismo envolvido aqui? É claro, apenas uma pessoa insana pensaria isso. De fato, nossos sábios já examinaram esta questão, e foi isto que eles quiseram dizer com as palavras (Avoda Zarah 2b): “O Criador a deu para todas as nações e línguas, e elas não a aceitaram.”



Mas o que eles consideram desconcertante é por que, então, nós fomos chamados de “o povo escolhido”, como está escrito: “O Senhor escolheu vocês,” já que nenhuma outra nação o desejou? Além disso, há uma questão fundamental no assunto: Poderia ser que o Criador veio com Sua Lei em Suas mãos para negociar com aqueles povos selvagens, ou através de seus profetas? Tal coisa nunca foi ouvida e é completamente inaceitável.




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Mas quando nós compreendemos completamente a essência da Torá e Mitzvot que nos foram dadas, e seu propósito almejado, na medida em que nossos sábios nos instruíram, que é o propósito da grande criação que está diante de nossos olhos, nós compreenderemos tudo. O primeiro conceito é que não existe ato sem propósito. Não há exceção a esta regra exceto para os mais inferiores na espécie humana ou crianças. Portanto, é certo que o Criador, cuja exaltação é inconcebível, não iria agir – fosse um ato grande ou pequeno – sem algum propósito.



Nossos sábios nos falam a respeito disso, que o mundo foi criado apenas para o propósito de observar a Torá e as Mitzvot, ou seja, como eles explicaram, que o objetivo do Criador desde o momento em que Ele criou Sua criação é revelar sua Santidade aos outros, já que a revelação de Sua Santidade alcança a criatura na forma de agradável recompensa, que cresce sempre até que alcança a medida desejada.



Através disso, o inferior se eleva com verdadeiro reconhecimento e se torna uma Merkavá [carruagem/estrutura] para Ele, e para se apegar a Ele até que eles alcancem sua realização final: “O olho não viu um Deus além de ti.” E devido à grandeza e glória daquela perfeição, a Torá e a profecia também se abstêm de pronunciar sequer uma palavra de exagero aqui, já que nossos sábios sugeriram a respeito disso (Berachot 34b): “Todos os profetas fizeram suas profecias apenas para os dias do Messias, para o próximo mundo. “O olho não viu um Deus além de ti,’” como é sabido pelos conhecedores.



Esta perfeição é expressa nas palavras da Torá e da profecia e nas palavras de nossos sábios na simples palavra Dvekut [adesão]. Por causa do uso amplo desta palavra pelas massas, ela quase perdeu todo o seu conteúdo, mas se você refletir sobre ela, mesmo que só por um instante, ficará impressionado por sua maravilhosa estatura, pois se você imaginar a exaltação do Criador e a baixeza da criatura será capaz de perceber o valor da Dvekut de um com o outro. Então você entenderá por que nós atribuímos a esta palavra o propósito de toda a criação.



Acontece que o propósito da criação inteira é para que as criaturas inferiores sejam capazes, ao observarem Torá e Mitzvot, de se elevarem sempre mais alto, sempre se desenvolvendo até que sejam recompensadas com Dvekut com o seu Criador.




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Mas aqui vieram os sábios d’O Zohar e perguntaram por que nós não fomos criados nesta elevada estatura de Dvekut com Ele desde o início. Que razão Ele teve para nos sobrecarregar com este trabalho e com o fardo da criação e da Torá e Mitzvot? Eles responderam: “Aquele que come aquilo que não é seu teme olhar em seu rosto.” Isto significa que aquele que come e se deleita com o trabalho de seu amigo teme olhar em sua face porque, ao fazê-lo, ele fica cada vez mais humilhado até que perde sua forma humana. Porque aquilo que se estende a partir da Sua inteireza não pode ser deficiente, Ele nos deu espaço para conquistarmos nossa exaltação por nós mesmos, através de nosso trabalho na Torá e Mitzvot.



Estas palavras são muito profundas e eu já as expliquei em meu livro, Panim U Masbirot na Árvore da Vida, Ramo Um [e no livro O Estudo das Dez Sefirot, Histaklut Pnimit, Parte Um]. Aqui eu as explicarei brevemente para torná-las compreensíveis para todos.




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 Este assunto é como um homem rico que retirou um homem do mercado e o alimentou e deu a ele ouro e prata e todas as coisas desejáveis a cada dia. Cada dia, ele o inundava com mais presentes do que no dia anterior. Finalmente, o homem rico perguntou: “Diga-me, seus desejos foram todos satisfeitos?” E ele respondeu, “Nem todos os meus desejos foram satisfeitos, pois quão bom e agradável seria se todas essas posses e coisas preciosas viessem a mim através de meu próprio trabalho, como elas vieram até você, e eu não estaria recebendo a caridade de sua mão.” Então o homem rico disse a ele: “Neste caso, jamais nasceu uma pessoa que pudesse satisfazer seus desejos.”



Isto é algo natural, já que por um lado ele experimenta prazer cada vez maior, quanto mais ele o inunda de presentes. Mas, por outro lado, é difícil para ele tolerar a vergonha da bondade excessiva com a qual o homem rico o inunda. Isto ocorre porque há uma lei natural em que um receptor sente vergonha e impaciência ao receber presentes de um doador por compaixão e piedade.



A partir daqui se estende uma segunda lei, pela qual ninguém nunca será capaz de satisfazer as necessidades de seu amigo ao máximo, porque em última análise, ele não será capaz de dar a ele a natureza e a forma do autodomínio já que apenas com ele a perfeição desejada é alcançada.



Mas isto se refere apenas às criaturas, ao passo que com relação ao Criador isto é completamente impossível e inaceitável. Esta é a razão pela qual Ele preparou para nós a labuta e o trabalho da Torá e Mitzvot, para produzirmos nossa exaltação por nós mesmos, porque então o deleite e o prazer que vem até nós Dele, ou seja, tudo que está incluído na Dvekut com Ele, será tudo nossa própria posse que veio até nós através de nossos próprios esforços. Então nós nos sentiremos como os donos, sem o que não pode haver uma sensação de inteireza.




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Na verdade, nós precisamos examinar o coração e a fonte desta lei natural, e quem foi o pai da falha de vergonha e impaciência que nós sentimos ao recebermos caridade de outro. Isto é compreendido a partir de uma lei que é conhecida pelos cientistas, de que cada ramo possui a mesma natureza que a sua raiz. 1) E que o ramo também deseja, anseia e almeja ardentemente, e se beneficia de todas as condutas da raiz. 2) Por outro lado, por conta das condutas que não estão na raiz, o ramo se retira delas, não pode tolerá-las, e é prejudicado por elas. Esta lei existe entre cada raiz e seu ramo e não pode ser violada.



Isto abre diante de nós uma porta para entendermos a fonte de todos os prazeres e dores em nosso mundo. Já que o Criador é a raiz de Suas criações, nós sentimos tudo que existe Nele, e que se estende até nós diretamente Dele, como prazeroso e delicioso, pois nossa natureza está próxima de nossa raiz. E tudo que não está n’Ele e não se estende até nós diretamente d’Ele, mas contradiz a própria criação, será contra nossa natureza e difícil para nós tolerarmos. Assim, nós amamos descansar e odiamos tanto nos movermos que não fazemos um único movimento se não for para alcançarmos o repouso. Isto é assim porque nossa raiz não está em movimento, mas em repouso, e nenhum movimento existe n’Ele, qualquer que seja. Portanto, é contra nossa natureza e detestável para nós também.



Da mesma forma, nós amamos sabedoria, força e riqueza etc. porque tudo isso existe n’Ele, Que é nossa Raiz. E, por isso, nós odiamos os seus opostos, tais como tolice, fraqueza e pobreza, já que estes não existem em nossa Raiz de forma alguma. Isto nos faz sentir odiosos e repugnantes, e nos dói de maneira imensurável.




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Isto é o que nos dá o mau gosto da vergonha e impaciência quando nós recebemos de outros através da caridade, porque no Criador não existe tal coisa como a recepção de favores, pois de quem iria Ele receber? Porque este elemento não existe em nossa Raiz, nós o sentimos como repulsivo e detestável. Por outro lado, nós sentimos prazer e deleite toda vez que doamos a outros, já que esta conduta existe em nossa Raiz, a qual doa para todos.




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 Agora nós encontramos uma forma de examinar o propósito da criação, que é se apegar a Ele, em sua verdadeira aparência. Esta exaltação e Dvekut, a qual é garantida que chegará até nós através de nosso trabalho na Torá e Mitzvot, não é mais nem menos do que a equivalência dos ramos com sua Raiz. Toda a gentileza e prazer e sublimidade se torna uma extensão natural aqui, como nós dissemos acima, 1) que o prazer é apenas a equivalência de forma com o Fazedor. Quando nós nos equalizamos em todas as condutas com nossa Raiz, nós sentimos deleite. 2) Tudo que encontramos que não está em nossa Raiz se torna intolerável, repugnante, ou consideravelmente doloroso para nós, como é necessariamente através deste conceito. E nós naturalmente descobrimos que nossa própria esperança depende da extensão de nossa equivalência de forma com nossa Raiz.




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Estas foram as palavras de nossos sábios (Bereshit Rabá 44) quando eles perguntaram: “Por que o Criador se importaria se alguém golpeia na garganta ou atrás do pescoço? Afinal, as Mitzvot foram dadas apenas para purificar as pessoas.” Esta purificação significa a purificação de nosso corpo turvo, a qual é o propósito que emerge da observação de toda a Torá e Mitzvot, pois “Um burro selvagem será transformado em homem,” já que quando uma pessoa emerge do seio da criação, está em absoluta imundície e baixeza, ou seja, uma multidão de amor próprio que está impressa nela, e todos os seus movimentos giram apenas em torno de si mesma, sem um pingo de doação aos outros.



Assim, neste momento, a pessoa está na maior distância possível da Raiz, na outra extremidade, 1) já que a raiz é toda doação sem um pingo de recepção, 2) enquanto que o recém-nascido está em um estado de completa auto-recepção sem uma gota de doação. Portanto, sua situação é considerada como estando no ponto mais baixo da humildade e sujeira em nosso mundo humano.



Quanto mais ele cresce, mais ele recebe do seu ambiente porções de “doação para os outros,” dependendo dos valores e do desenvolvimento naquele ambiente. E então ele é iniciado na observação da Torá e Mitzvot com o propósito de amor-próprio, por recompensa neste e no próximo mundo, chamado Lo Lishma [não em Seu Nome], já que não se pode ser acostumado de nenhuma outra forma.



À medida que cresce, lhe é dito para observar Mitzvot Lishma [em Seu Nome], que é com uma intenção de unicamente levar contentamento ao seu Fazedor. Como Maimônides disse (Hilchot Teshuva, Capítulo 10), “Mulheres e crianças não devem ser aconselhadas a observar Torá e Mitzvot Lishma, já que elas não serão capazes de suportá-lo. Mas quando elas crescerem e adquirirem conhecimento e sabedoria, elas são ensinadas a trabalhar em Lishma.” É como nossos sábios disseram: “De Lo Lishma, se chega a Lishma,” definida pela intenção de trazer contentamento ao seu Fazedor e não por nenhum amor próprio, sob nenhuma circunstância.



Através do remédio natural de engajamento na Torá e Mitzvot Lishma, o qual o Doador da Torá conhece, como nossos sábios disseram (Kidushin 30b), “O Criador diz: ‘Eu criei a inclinação ao mal; Eu criei para ela a Torá como um tempero.” Portanto, aquela criatura se desenvolve e marcha para cima em níveis da acima citada exaltação, até que ela perde todos os restos de amor próprio e todas as Mitzvot em seu corpo se elevam, e ele realiza todas as suas ações apenas para doar, de modo que mesmo a necessidade que ele recebe flui na direção da doação, de modo que ele pode doar. É por isso que nossos sábios disseram: “As Mitzvot foram dadas apenas para purificar as pessoas.”




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Se de fato há duas partes na Torá: 1) Mitzvot entre o homem e o Criador, 2) Mitzvot entre homem e homem, ambas intencionam a mesma coisa: trazer a criatura ao propósito final de Dvekut com Ele. Além disso, mesmo o lado prático em ambas é realmente um e o mesmo, pois quando alguém realiza um ato Lishma, sem nenhuma mistura de amor próprio, ou seja, sem extrair nenhum benefício para si mesmo, então a pessoa não sente nenhuma diferença, se está trabalhando para amar um amigo ou para amar o Criador.



Isto é assim porque é uma lei natural para qualquer ser que qualquer coisa fora do seu próprio corpo é vista como irreal e vazia. E qualquer movimento que uma pessoa faz para amar outra é realizado com uma luz refletida e alguma recompensa que eventualmente irá retornar para ela e servi-la para seu próprio benefício. Assim, tal ato não pode ser considerado “amor aos outros” porque ele é julgado por seu fim. É como aluguel que só compensa no final. No entanto, o ato de alugar não é considerado amor aos outros.



Mas fazer qualquer movimento apenas como resultado de amor pelos outros, sem nenhuma faísca de luz refletida ou esperança por qualquer tipo de recompensa, é completamente impossível por natureza. Está escrito n’O Zohar sobre isto com relação às nações do mundo: “Todo Chessed [compaixão/graça] que eles fazem, o fazem para si mesmos.”



Isto significa que todo o bem que eles fazem, seja para seus amigos ou para o seu Deus, não é pelo amor deles pelos outros, mas por amor-próprio, já que esta questão é completamente antinatural.



Assim, apenas aqueles que observam Torá e Mitzvot são capazes disto, já que por se acostumarem a observar Torá e Mitzvot com a intenção de levarem contentamento ao Fazedor deles, gradualmente se afastam do seio da criação natural e adquirem uma segunda natureza, a qual é a acima mencionada de amor aos outros.



Foi isto que levou os sábios d’O Zohar a excluírem as nações do mundo do amor aos outros, quando eles disseram: “Todo Chessed que eles fazem, o fazem para si mesmos,” pois elas não estão envolvidas na observação da Torá e Mitzvot Lishma, e a única razão pela qual elas servem aos seus deuses é por recompensa e salvação neste mundo e no próximo. Portanto, a adoração deles a seus deuses é devida ao amor próprio também, e eles nunca realizarão um ato que esteja fora dos limites dos seus próprios corpos, através dos quais eles nunca serão capazes de se elevarem nem mesmo um fio de cabelo acima de sua natureza básica.




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Assim, nós podemos ver claramente que em relação àqueles que observam Torá e Mitzvot Lishma, não há diferença entre as duas partes da Torá, mesmo no lado prático. Isto porque antes que a pessoa o realize, ela é compelida a sentir qualquer ato de doação – seja para outra pessoa ou para o Criador – como vazio além da imaginação. Mas através de um grande esforço, a pessoa lentamente se eleva e recebe uma segunda natureza, e então alcança o propósito final, o qual é Dvekut com Ele.



Desde que isto é assim, é razoável pensar que a parte da Torá que lida com a relação do homem com seu amigo é mais capaz de conduzir alguém ao objetivo desejado, já que o trabalho nas Mitzvot entre homem e Deus é fixo e específico, e não é exigente, e uma pessoa se torna facilmente acostumada a ele, e tudo que é feito fora do hábito não é mais útil. Mas as Mitzvot entre homem e homem são mutantes e irregulares, e exigências o cercam para onde quer que ele se volte. Portanto, a cura delas é muito mais certa e sua intenção está mais próxima.




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Agora nós podemos entender as palavras de Hilel Ha Nasi ao prosélito, que a essência da Torá é “Ama teu amigo como a ti mesmo,” e que as restantes seiscentas e doze Mitzvot não são senão uma interpretação e preparação para ela (veja o Item 2). E mesmo as Mitzvot entre o homem e o Criador são consideradas uma preparação para aquela Mitzva, a qual é a intenção final que emerge da Torá e Mitzvot, como nossos sábios disseram: “A Torá e Mitzvot foram dadas apenas de modo a purificar Israel” (Item 12), que é a purificação do corpo até que a pessoa adquira uma segunda natureza definida por “amor aos outros,” ou seja, a Mitzva: “Ama teu amigo como a ti mesmo,” que é a intenção final da Torá, após a qual imediatamente se obtém Dvekut com Ele.



Mas não se deve perguntar por que ela não foi definida nas palavras: “E amarás o Senhor teu Deus com todo teu coração e com toda tua alma e com toda tua força.” Ele fez isso pela razão acima, a qual, de fato, com relação a uma pessoa que ainda está no interior da natureza da criação, não há diferença entre o amor do Criador e o amor de seu companheiro, pois qualquer coisa que seja de outro é irreal para ele.



E porque aquele prosélito pediu a Hilel Ha Nasi para explicar a ele o resultado desejado da Torá, de forma que o objetivo dele estivesse próximo e ele não tivesse que caminhar uma longa estrada, como ele disse “Ensina-me a Torá inteira enquanto estou de pé em uma perna só,” ele (Hilel) a definiu para ele como amor ao amigo, já que sua intenção está mais próxima e é revelada mais rapidamente (Item 14), posto que isto é à prova de erros e é exigente.




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Nas palavras acima, nós descobrimos uma maneira de entender nosso conceito de cima (Itens 3 e 4) sobre os conteúdos daquela Mitzva, “Ama teu amigo como a ti mesmo,” como a Torá nos obriga a fazer algo que não pode ser feito.



De fato, saiba que por esta razão a Torá não foi dada ao nossos santos pais – Abraão, Isaac e Jacó – mas foi guardada até o êxodo do Egito, quando eles saíram e se tornaram uma nação completa de seiscentos mil homens de vinte anos de idade ou mais. Pois naquele momento, cada membro da nação foi questionado se concordava com aquele trabalho exaltado. E uma vez que todo e cada um da nação concordou em fazê-lo com coração e alma, e disse “Nós faremos e ouviremos,” tornou-se possível observar toda a Torá, e aquilo que antes era impossível tornou-se possível.



Isto porque é certo que se seiscentos mil homens abandonam seu trabalho para a satisfação de suas próprias necessidades e não se preocupam com nada a não ser ficar de guarda para que não falte nada a seus amigos, e além do mais, eles se envolverão nisto com grande amor, com seus próprios corações e almas, no significado completo da Mitzva, “Ama teu amigo como a ti mesmo,” então não há dúvidas de que ninguém na nação precisará se preocupar sobre seu próprio bem-estar.



Por causa disso, a pessoa fica completamente livre de assegurar sua própria sobrevivência e pode facilmente observar a Mitzva “Ama teu amigo como a ti mesmo,” obedecendo todas as condições dadas nos Itens 3 e 4. Afinal, por que ela se preocuparia com a própria sobrevivência quando seiscentos mil amantes leais estão de pé, prontos e com grande cuidado, para garantir que não falte nada a ela?



Assim, uma vez que todos os membros da nação concordaram, eles receberam imediatamente a Torá, pois agora eles eram capazes de observá-la. Mas antes que eles crescessem como uma nação completa, e certamente durante a época dos patriarcas, que eram únicos na terra, eles não estavam verdadeiramente qualificados para observar a Torá em sua forma desejável, já que com um pequeno número de pessoas é impossível até mesmo começar com engajamento em Mitzvot entre homem e homem até o ponto de “Ama a teu amigo como a ti mesmo,” conforme explicado nos Itens 3 e 4. Foi por isso que eles não receberam a Torá.




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Diante do exposto, podemos entender uma das frases mais desconcertantes de nossos sábios: “Todos de Israel são responsáveis uns pelos outros.” Isto parece ser completamente injusto, pois seria possível que se alguém peca ou comete um pecado que irrita seu Mestre, e eu não conheço esta pessoa, o Criador virá cobrar a dívida dela de mim? Está escrito: “Pais não serão mortos por crianças” etc. e “Cada homem será morto por seu próprio pecado”. então como podem dizer que eu sou responsável pelos pecados até mesmo de um completo estranho, de quem eu não conheço nem a ele nem seu paradeiro?



E se isto não é suficiente para você, veja Masechet Kidushin, 40b: “Rabi Elazar, o filho de Rabi Shimon, diz: ‘Já que o mundo é julgado pela sua maioria e o individual é julgado por sua maioria, se ele realizou uma Mitzva, ele é feliz, pois ele sentenciou o mundo para o lado do mérito. E se ele comete um pecado, ai dele, pois ele sentenciou a si mesmo e ao mundo ao lado do pecado, como está dito, ‘um pecador destrói muito o bem’”.



Portanto, Rabi Elazar, filho de Rabi Shimon, me fez responsável pelo mundo inteiro, já que ele pensa que todas as pessoas no mundo são responsáveis umas pelas outras, e cada pessoa traz mérito ou pecado para o mundo inteiro com suas ações. Isto é duas vezes mais desconcertante.



Mas, de acordo com o exposto, nós podemos entender as palavras deles de maneira muito simples. Nós mostramos que cada uma das 613 Mitzvot na Torá gira em torno daquela única Mitzva: “Ama teu amigo como a ti mesmo.” E nós achamos que tal estado só pode existir em uma nação completa na qual todos os membros concordam com isso.

Shamati (130)

    130. Tiberias dos nossos sábios, boa é a sua visão (Ouvi em 1 º de Adar, Tav - Shin - Zayin , 21 de fevereiro de 1947, em uma via...