quarta-feira, 6 de maio de 2020

Shamati (34)




O lucro da terra



É sabido que nada se manifesta sob a forma verdadeira, mas somente através do seu oposto. “Sempre que a Luz prevaleça sobre a escuridão”. Isto implica que tudo aponta para outra coisa, e que através do seu contrário se pode perceber a existência do seu oposto.



Portanto, é impossível alcançar alguma coisa com plena claridade, se o seu oposto está ausente. Por exemplo: é impossível estimar e dizer que algo seja bom, se falta o seu contrário, que aponta para o mau. O mesmo ocorre com as noções de doce e amargo, amor e ódio, fome e saciedade, sede e conformidade, adesão e separação.



Para ser recompensado com o grau de “odiar a separação”, primeiro deve-se saber o que esta significa; ou seja, do que se está separado; e então poderá dizer que se deseja solucionar essa separação. Em outras palavras, deve-se analisar do que e de quem a pessoa se encontra separada. Depois disto, pode-se iniciar o conserto e tratar de se conectar àquilo de que se separou. Por exemplo, se a pessoa entendeu que se beneficiaria da união com Ele, então poderia assumir e saber o que é que perde ao permanecer separado Dele.



O lucro e o prejuízo se medem de acordo com o prazer e o sofrimento. A pessoa se protege daquilo que lhe causa sofrimento; ela o detesta. A medida da distância depende da medida do sofrimento, já que escapar do sofrimento é uma condição da natureza humana. Deste modo, um depende do outro; ou seja, a pessoa se esforçará e executará todo o tipo de ação para proteger-se do sofrimento, dependendo do nível de dor que sinta. Em outras palavras, os tormentos produzem ódio a aquilo que o produz, e, nesse mesmo grau, a pessoa se manterá a margem dele.



Disto se depreende que se deve saber o que é a equivalência de forma, para poder saber o que se deve fazer para lograr a adesão que chamamos de “equivalência de forma”. Assim, sabe-se o que significam a disparidade de forma e a separação.



Sabemos, através dos livros e dos autores, que o Criador é benevolente. Isto quer dizer que Sua diretriz se manifesta aos inferiores como bondade; e é nisto que devemos acreditar.



Por isso, quando alguém analisa a forma como o mundo se porta, começa a examinar-se a si mesmo e aos demais, e a ver como todos sofrem sob a Providência, ao invés de se deleitarem, como corresponderia ao seu nome, Benevolente. Então, para essa pessoa, torna-se difícil dizer que a Providência Superior é benevolente e que distribui abundância.



Não obstante, devemos entender que, nesse mesmo estado, quando as pessoas não podem declarar que o Criador distribui somente o bem, são consideradas malvadas porque o sofrimento as leva a condenar o seu Criador. Somente quando descobrem que o Criador lhes dá prazer é que podem justificá-Lo. Assim, afirmaram nossos sábios ao dizer “Quem é Tzadik (justo)? Aquele que justifica o seu Criador”; ou seja, aquele que declara que o Criador dirige o mundo de forma justa.



Deste modo, quando a pessoa sofre, se distancia do Criador, na medida em que certamente começa a detestar Aquele que lhe provoca todos os tormentos. Em conseqüência, ali onde se deveria amar o Criador, agora existe o contrário, pois a pessoa começou a odiar o Criador.



O que é que se deve fazer para chegar a amar o Criador? Para isso nos foi concedida a virtude de observar a Torá e as Mitzvot (preceitos), para atrairmos a Luz que Reforma. Ali há luz que permite à pessoa perceber a severidade do estado de separação, e, pouco a pouco, na medida em que vai recebendo a luz da Torá, vai nascendo dentro dela um ódio pelo estado de separação. Começa a sentir a razão que leva uma pessoa e sua alma a estarem separados e longe do Criador.



Assim, deve-se crer que a Sua orientação é benevolente. Mas, estar imerso em amor próprio, provoca a disparidade de forma, porque existe uma correção conhecida como “com o propósito de outorgar”, que é a equivalência de forma. Somente deste modo podemos receber deleite e prazer. A incapacidade de receber este deleite e prazer que o Criador deseja outorgar provoca no receptor um rechaço pela situação de separação; e assim a pessoa recebe o grande benefício da equivalência de forma, e começa a aspirar por alcançar a adesão.



Em conseqüência, cada forma aponta para outra forma. Assim, todos os descensos, através dos quais a pessoa sente que se separou Dele, são uma oportunidade para discernir entre algo e o seu oposto. Em outras palavras, a pessoas deve aprender os benefícios dos ascensos e dos descensos. Do contrário, não poderá apreciar a importância de ser guiada desde Cima e nem poderá apreciar os ascensos que lhe são concedidos. Não poderá obter a noção de importância que poderia extrair, sentindo-se como alguém que recebe comida sem ter sentido fome.         



Resulta que os descensos, que representam os tempos de separação, produzem a importância da adesão que se alcança durante os ascensos; enquanto que os ascensos levam-nos a detestar os descensos que os estados de separação nos causam. Dito de outro modo, não é possível determinar quão maus são os descensos quando a gente mesmo calunia a Providência; e nem sequer percebemos a quem estamos caluniando, para chegarmos a compreender que devemos nos arrepender de tal pecado. Isto se chama caluniar o Criador.



Assim, podemos compreender que, precisamente quando alguém adquire ambas as formas, consegue discernir a distância entre uma e outra “como a Luz prevalece sobre a escuridão”. Somente assim a pessoa pode entender e considerar o que é a adesão, através da qual se logra o deleite e o prazer do Pensamento da Criação, que vem a ser “Seu desejo de fazer o bem às Suas criaturas”. Tudo o que aparece diante de nossos olhos não é mais que aquilo que o Criador deseja que alcancemos de determinada maneira, já que representa os caminhos por meio dos quais se alcança a Meta Final.



Não obstante, não é tão simples lograr a adesão com o Criador. Alcançar essa sensação de prazer e deleite requer grande esforço e trabalho. Antes disto, deve-se justificar a Providência, acreditar acima da razão que o Criador é benevolente com as criaturas, e dizer-se que “têm olhos, mas não vêem”.



Nossos sábios disseram: Habacuc veio e atribuiu tudo a um só, tal como está escrito: “O justo viverá por sua fé”. Isto significa que a pessoa não necessita fixar-se em detalhes, mas que deve concentrar o seu trabalho inteiro em um só ponto, uma regra, que é a fé no Criador. Precisamente por isso deve rezar, ou seja, pedir que o Criador a ajude a ser capaz de avançar de modo a ter fé por cima da razão. Há uma grande virtude na fé, pois através dela a pessoa chega a odiar o estado de separação. Por isso, a fé, indiretamente, o leva a detestar este estado.



Podemos ver que existe uma grande diferença entre estes três conceitos: fé, evidência e conhecimento. A respeito de algo que pode ser visto e conhecido, se a mente determina que é bom, basta essa decisão. Em outras palavras, a pessoa atua de forma como havia decidido, já que a mente lhe acompanha em cada ação, para não romper com o que ela mesma havia determinado. O que lhe permite entender em 100% a razão por ter tomado esta ou aquela decisão.



No entanto, a fé é uma questão de acordo potencial. Em outras palavras, ela supera a mente e afirma que certamente vale a pena trabalhar da maneira como ela necessita trabalhar: por cima da razão. Portanto, a fé por cima da razão é útil somente durante a ação, quando a pessoa acredita. Somente então se encontra disposto a esforçar-se no trabalho por cima da razão.



Do contrário, quando deixa de lado a fé, ainda que somente por um momento, quando se debilita por um instante, a pessoa de imediato cessa o Trabalho e a Torá. Aqui não lhe ajuda o fato de ter, recentemente, aceitado sobre si a carga da fé por cima da razão.



Não obstante, quando a pessoa percebe dentro de sua mente que isto é mau para si, e que põe em risco sua vida, já não necessita mais argumentos nem razões sobre por que isto representa um perigo para ela. Pelo contrário, dado que esteve totalmente consciente de que devia praticar estas coisas – sobre as quais a sua mente determina o que é bom e o que é mau, ela, agora, segue sua própria decisão.



Vemos a diferença que existe entre o que a mente necessita e o que somente a fé necessita e qual é a razão porque precisamos ser constantemente lembrados da forma da fé quando algo é baseado na fé. Do contrário, cairíamos do grau em que nos encontramos a um estado de maldade. Estes estados podem acontecer num mesmo dia. A pessoa pode cair de seu próprio grau várias vezes em um mesmo dia, porque é impossível que a fé por cima da razão não se detenha ao menos por um momento durante o dia.



Devemos saber que a razão de esquecer a fé se origina do fato de que a fé por cima da razão e da mente se contrapõe a todos os desejos do corpo. Isto se deve ao fato de que os desejos do corpo vêm, por natureza, impressos no próprio corpo, e recebem o nome de desejo de receber, seja na mente ou no coração. Assim, o corpo sempre tende para a nossa natureza. Somente ao aferrarmo-nos à fé temos o poder de sobrepor-nos aos desejos corporais, e de elevarmo-nos por cima da razão; ou seja, contra as razões do corpo.



Portanto, antes da aquisição dos Kelim (vasos) de outorga, que correspondem à adesão, a fé não pode ser atingida de forma permanente. Quando a fé não ilumina o vaso por dentro, se está no estado mais baixo possível; e tudo isso vem da disparidade de forma, que radica no próprio desejo de receber. Esta separação causa todas as atribulações, destrói todas as estruturas e todos os esforços que haviam sido investidos no Trabalho.



A pessoa descobre que no minuto em que perde a fé encontra-se num estado pior que aquele em que estava quando empreendeu o caminho do trabalho de outorgar. Assim, a pessoa chega a odiar a separação, porque imediatamente começa a sentir as atribulações em si mesmo e no mundo inteiro. Resulta-lhe difícil justificar Sua Providência a respeito das criaturas e considerá-Lo benevolente; e então sente que o mundo inteiro se escureceu frente a seus olhos, e que já não tem de onde extrair alegria.



Por isso, cada vez que a pessoa começa a corrigir o defeito de caluniar a Providência, chega a sentir aversão à separação, e através dela, alcança o amor pela adesão. Dito de outro modo, na mesma medida em que sofre durante a separação, aproxima-se da adesão com o Criador. Do mesmo modo, na mesma medida em que percebe que a escuridão é má, chega a sentir que a adesão é boa. Então sabe como valorizar quando recebe, mesmo que por um momento, certo grau de adesão, porque já havia aprendido a apreciá-la.



Agora podemos ver que todas as atribulações que existem no mundo não são mais que uma preparação para os verdadeiros tormentos. Estas são as aflições que se deve alcançar, ou não se poderá obter nada espiritual, já que não pode haver Luz sem Kli (vaso). Estes tormentos, os verdadeiros tormentos, recebem o nome de condenação da Providência e calúnia. Por isto se reza para não caluniar a Providência; e estas são as atribulações que o Criador aceita. Este é o sentido do ditado que diz que o Criador escuta a reza de toda boca.



A razão por que o Criador responde a essas atribulações é que, nesse momento, a pessoa não solicita ajuda para seus próprios vasos de recepção, pois, se o Criador lhe garantisse tudo o que ela quisesse isto a afastaria ainda mais Dele, por causa da disparidade de forma que seria adquirida em conseqüência disso. No entanto, sucede o contrário: a pessoa anseia por fé, pede que o Criador lhe conceda a força necessária para prevalecer e ganhar a equivalência de forma, pois ela vê que se a fé não é permanente e deixa de iluminar por algum momento, voltará a cair em dúvidas e pensamentos estranhos à Providência.



Isto, por sua vez, leva a pessoa a um estado chamado “maldade”, em que condena o Criador. Então resulta que todas as aflições que sente se devem a que caluniou a Providência. O que lhe dói é que ali onde deveria haver respeitado e elogiado o Criador dizendo “Bendito seja Ele que nos criou em Sua glória”, sente que o comportamento do mundo não encaixa com a Sua glória, já que todos se queixam e reclamam que primeiro deveria manifestar-se abertamente a Providência para que se mostrasse que o Criador dirige o mundo com benevolência. E como isto não acontece, dizem que a Providência não manifesta a Sua glória, e isto o martiriza.



Assim, através das atribulações que sente, a pessoa se vê forçada a difamar. Por isso, quando se pede ao Criador que lhe conceda o poder da fé, e que lhe conceda benevolência, não é porque quer receber prazer e deleite por meio disto, mas para não voltar a difamar. Ela somente deseja acreditar por cima da razão que o Criador dirige o mundo com benevolência; e deseja esta fé para colocar esta convicção em suas sensações como se fosse dentro de sua própria mente.



Portanto, quando pratica Torá e Mitzvot, não deseja extrair Luz de Deus para benefício próprio, mas porque já não suporta não poder justificar a Sua Providência, que é benevolente. Dói-lhe profanar o nome de Deus, cujo nome é “Benevolente” e ao qual seu corpo mostra resistência.



Isto é tudo o que provoca a dor, já que, ao encontrar-se em um estado de separação, não pode justificar Sua diretriz. Isto se considera “aborrecer o estado de separação”. E quando se sente este sofrimento, o Criador ouve sua reza, aproxima-se, e o recompensa com a adesão. Isto se deve a que as dores que sentia por causa da separação levaram-no a obter a recompensa da adesão; e então se diz: “A Luz prevalece sobre a escuridão”.



Este é o significado de “o lucro da terra, em todos os sentidos”. “Terra” é a Criação. “Em todos os sentidos” significa que “por benefício”, que “por prestação de serviço”, através do qual nós vemos a diferença entre o estado de separação e o estado de adesão, através do qual nos é garantida a adesão com o “Todo”, já que o Criador é chamado de “a Raiz de todas as coisas”.


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