Nas Teses sobre o
conceito de História (1940), Walter Benjamin conta o causo do Turco, um
autômato (uma espécie de robô primitivo) que jogava xadrez e que impressionava
as massas ignaras, que iam vê-lo, abismadas.
Gosto das palavras derivadas de abyssimus, baixo Latim, superlativo de abyssus, que derivou do grego abussos,
e que em português resultou em abismo.
Gosto tanto que escrevi um romance que se chama A face do abismo. Parece que muitos de nós, nesse momento de
pandemia, estamos olhando, mais uma vez, para a face do abismo, da mesma forma que olhava Elohym para a face das águas,
enquanto seu espírito flanava sobre o abismo. Se eu ainda estivesse na
Academia, escreveria um texto sobre Elohym
como o primeiro flaneur, para
arrecadar uns pontinhos para o Lattes. Walter Benjamin teria se divertido com
esse texto, ele que também não suportava as tolas exigências acadêmicas.
Pessoas abismadas são
pessoas que supõem que existam coisas insondáveis,
misteriosas. Prefiro chamá-las de tolas.
Pois, na historieta de Benjamin os tolos ficavam abismados com o Turco, o autômato jogador de xadrez. Até que um não-tolo descobriu
que embaixo da mesa da máquina escondia-se um anão corcunda, que era o manipulador das peças do tabuleiro e o verdadeiro
responsável pelos impressionantes resultados do jogo.
Walter Benjamin, um dos meus teóricos de literatura
preferidos, deriva da história um remmez magnífico:
1)
O
autômato representa o pensamento materialista;
2)
O
anão corcunda é o pensamento teológico.
Para operar, o
teólogo precisa se esconder, envergonhadamente, embaixo da mesa.
Por isso, depois de ser um autômato por alguns anos na Universidade, resolvi revelar a minha
verdadeira identidade de anão corcunda.