Vim a Porto Alegre para conversar com um editor, sobre um
romance que eu tinha escrito, e que enviara a sua editora: O Santo da Caveira, em março de 1986. O romance não foi publicado,
porque era uma sátira à ditadura militar, e o Roque Jacoby, dono da Mercado
Aberto, entendeu que era melhor para a minha saúde que eu não publicasse aquilo.
O livro não saiu e eu fiquei, e passei a trabalhar na editora.
Mas, quando cheguei em Porto Alegre, eu devia uma grande soma
em dinheiro para o Frei Rovílio, que tinha publicado dois livros meus, pela Escola Superior de Teologia. Um dia, ainda
em Três de Maio, eu vendi todos os meus estoques e recebi dois cheques
pré-datados. Encaminhei os cheques ao Frei, para pagamento das edições. Os
compradores eram desonestos e a conta bancária estava encerrada. Fiquei sem os
livros, e com uma dívida impagável, pois eu nem empregado era. Assim que comecei
a trabalhar na Editora, entrei em contato com o Frei, e negociamos um
parcelamento de 8 anos. Metade do salário ia para amortização da dívida, mês a
mês. E, com o restante, eu pagava aluguel, sustentava a família (a Maíra era bebê
de colo). O professor Dacanal, que me via meio esquálido de fome (em casa eu
tratava de comer o mínimo, para que sobrasse para os outros), seguidamente me
convidava para jantar com ele. Depois que a editora lançou o Caminhando na chuva, passei a fazer
palestras pelo interior. Os cachês eram simbólicos, e para não gastar com hotel,
eu dormia sentado nas rodoviárias. O Sul é frio e úmido, mas aprendi que
papel-jornal é um maravilhoso isolante térmico. Sentado nos bancos das
rodoviárias a noite inteira, forrado de páginas do Correio do Povo e da Zero
Hora embaixo da camisa, por dentro das calças e dentro dos sapatos, eu me
sentia realizado, rico e com uma filha linda, que penteava os meus cabelos
quando eu estava em casa. Nunca reclamei da minha sorte para Deus, porque eu
não acreditava mais em Deus. Ele nunca tinha se manifestado, porque eu não
sabia ainda que Deus olha para a gente através dos outros, dos amigos, dos
filhos, da esposa, dos mestres... Ele também olha através dos nossos próprios
olhos, mas isso, pelas leis da física, nós não podemos ver, pois o que vê não
vê que vê.
Por que senti vontade de me expressar através dessas reshimot? Porque está chovendo, porque
estou sem sono, porque estou endividado outra vez. Desta vez não fui roubado.
Desta vez eu dei um passo levemente maior que o tamanho das minhas pernas, mas
por um bom motivo: comprei a Casa do
Mikvê. Nesse local, os meus alunos e alunas de Kabbalah irão confraternizar.
Nesse local, em breve, o rabino e cabalista Joseph Saltoun vai dar um curso
sobre O Portal das Reencarnações (Shaar ha Guilgulim). E outros virão, de
vários lugares do mundo, para fazer de Porto Alegre a Safed do Brasil.
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